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Na altura dos 500 anos da partida da expedição que viria a dar uma volta completa ao planeta por via marítima,gostaria de dizer que considero que o mais provável é que Fernão de Magalhães tenha mesmo sido o primeiro homem a completar a circum-navegação da Terra, e vou expor como tal ocorreu e em que documentação sobrevivente se baseia.
Datas principais da concretização da circum-navegação da Terra, em duas etapas, por Fernão de Magalhães:
A 25 de março de 1505, partiu de Lisboa para a Índia na armada do 1º vice-rei da Índia D. Francisco da Almeida.
Em meados de agosto de 1511, bateu-se na conquista de Malaca, onde já estivera em 11 de setembro de 1509 na armada pioneira de Diogo Lopes de Sequeira.
De novembro de 1511 à segunda metade de 1512, terá participado na armada de António de Abreu que, saindo e regressando a Malaca, percorreu as Molucas do Sul (Buru, Ambon, Seram, Banda).
A 11 de janeiro de 1513, saiu de Malaca de regresso a Lisboa.
A 20 de outubro de 1517, chegou a Sevilha.
A 10 de agosto de 1519, parte de Sevilha ao comando da armada que visa alcançar as ilhas Molucas por via ocidental.
A 27 de abril de 1521, foi morto numa batalha na ilha de Mactan, junto à de Cebu, nas Filipinas.
Fernão de Magalhães deve ser considerado o primeiro homem a dar uma volta ao mundo, uma circum-navegação pelos oceânicos. A documentação da época, séc. XVI, admite a probabilidade elevada desse grande navegador português ter concluído esse circuito quando chegou às atuais Filipinas em 1521, onde faleceu, ao fazer a metade do percurso em redor da Terra correspondente à segunda etapa dessa realização, sendo a primeira efetuada quando chegou às ilhas de Banda (Molucas do Sul) em 1512, a partir de Malaca, na armada de António Abreu que fora à descoberta das Molucas, por ordem de Afonso de Albuquerque, com cerca de 120 portugueses.
Fernando Oliveira no trabalho que, entre 1560 e 1570, prefaciou, traduziu, adaptou e acrescentou com o título Viagem de Fernão de Magalhães na Demanda de Maluco por El-Rei de Castela forneceu informações relevantes sobre a participação de Magalhães na armada de António de Abreu:
Antre os portugueses que descobriram Maluco foi um chamado Fernão de Magalhães, natural da cidade do Porto, em Portugal. Este era da geração dos Magalhães, gente honrada e nobre, e era criado del-rei em foro de moço de câmara, e homem entendido na arte de navegação e cosmografia, em especial, pelo que aprendeu de um seu parente (de Fernando Oliveira) chamado Gonçalo de Oliveira, em cuja companhia foi ter aquela terra, do qual entendeu a verdade do sítio daquelas terras, porque era Gonçalo de Oliveira mui sabido nesta faculdade.
O piloto Gonçalo de Oliveira é pois referido como o principal responsável pela formação náutica de Fernão de Magalhães e sabe-se que foi um dos três responsáveis pela navegação da armada de António de Abreu, indo no navio capitaneado por Francisco Serrão, sendo o seu nome apenas conhecido pelas alusões à participação que teve nesta viagem.
Quanto ao autor Fernando Oliveira, interessou-se por questões históricas e navais, e nos anos trinta do sec. XVI estava em contacto com o cronista da Ásia João de Barros enquanto professor dos filhos deste, pelo que poderá ter obtido informações por essa via ou dadas por outras personalidades conhecedoras dos factos que relatou na sua história de Fernão de Magalhães. É uma fonte credível, até porque apresenta detalhes que seriam difíceis de conhecer se não fossem provenientes de fontes seguras, nomeadamente os relativos ao pouco conhecido piloto Gonçalo Oliveira.
Fernão de Magalhães incorporou a armada que em meados de agosto de 1511 conquistou Malaca e só encetou a viagem de regresso a Portugal a 11 de janeiro de 1513, saindo em simultâneo com António de Abreu, o que reforça a probabilidade de ter sido um dos cento e vinte homens que, sob o comando deste, entre novembro de 1511 e data incerta da segunda metade de 1512, percorreram, em viagem de ida e volta a Malaca, o cordão de ilhas até Buru, Ambon e Seram, nas Molucas do Sul, produtoras de noz-moscada e maça, havendo também chegado às pequenas ilhas do arquipelago de Banda um pouco mais a Sul.
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odavia, a expedição de Abreu não alcançaria as Molucas do Norte, ilhas principais de Ternate e Tidore e outras três, produtoras do cobiçado cravo, em virtude de sabotagem dos pilotos javaneses que as quiseram manter ocultas, e apenas lá chegaria o capitão Francisco Serrão na sequência de uma tempestade que tresmalhou o seu navio. As Molucas, em sentido estrito por vezes usado no sec. XVI, eram basicamente aquelas cinco ilhas do Norte.
As informações sobre a identidade dos cento e vinte homens da armada de António Abreu são muito escassas, só se conhecendo os nomes dos capitães, dos pilotos, do feitor, do escrivão e de alguns companheiros do tresmalhado Francisco Serrão que chegaram a Ternate em 1512, sendo de lembrar que Magalhães não tinha, nem teve antes, qualquer função de chefia atribuída por Afonso de Albuquerque, ficando-se só como cavaleiro fidalgo que era. O silêncio não é de estranhar, pois na documentação do próprio Fernão de Magalhães este não revela os sítios onde esteve.
Outrossim, é de considerar que a credibilidade de Magalhães junto do imperador Carlos V pode ter sido reforçada se o monarca e os seus conselheiros soubessem que ele tinha estado apenas a poucos dias de viagem das ilhas do cravo, porquanto já navegara na região. Isso pode muito bem ter influenciado o soberano no seu reconhecido entusiasmo em patrocinar a expedição de 1519 às Molucas. Seja como for, parece improvável que o navegador português tivesse ficado parado em Malaca quase ano e meio enquanto muitos outros foram à descoberta. Uma primeira viagem realizada em 1512 teria contribuído para reforçar o seu desejo de posteriormente visitar as Molucas do Norte, superando a frustração de ter delas estado já tão perto e de delas ter obtido informação por via do seu amigo Francisco Serrão.
Enquanto fonte diversa, temos o cronista Fernão Lopes de Castanheda, um autor escrupuloso e em geral bem informado, que alude ao descobrimento das Molucas por António de Abreu afirmando: do que o mesmo Fernão de Magalhães fora testemunha e tendo a certeza onde aquelas ilhas jaziam. Esta frase é uma afirmação explícita de que Fernão de Magalhães foi um dos companheiros de António de Abreu, senão Castanheda não diria que Magalhães fora testemunha ao referir-se a essa primeira viagem à região das Molucas em sentido lato (de facto apenas às Molucas do Sul).
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Este material é um pequeno resumo do que investigou e expôs o professor José Manuel Garcia no seu estudo fundamental, de 2007, publicado pela Editorial Presença, A Viagem de Fernão de Magalhães e os Portugueses, que vivamente recomendo.
https://historiografiaportuguesaeuni...alhaes-e-a-715
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