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Nascido em Tietê-SP, o escritor Cornélio Pires conseguiu, ao mesmo tempo, conhecer a alma paulistana do início do século XX, quando morou em São Paulo, e a alma caipira, em sua vivência nas cidades interioranas, ditas também caipiras, como Botucatu e Piracicaba. Foi, sem mais discussões, o grande pioneiro do folclore e da literatura regional paulista. Sem metodologia ou qualquer pretensão acadêmica, Cornélio Pires, com sua vivência junto ao caipira de São Paulo, acabou criando a sua própria teoria sobre ele. Tentou descrevê-lo, "tal como é", reagindo ao pessimismo de "certos escritores", conforme escreveu, que apresentam o caipira, "o camponês brasileiro coberto do ridículo, inútil, vadio, ladrão, bêbado, idiota". Esse caipira assim o enxerga Cornélio Pires – é nascido "fora das cidades, criados em plena natureza" e, por isso, se tornam "tímidos e desconfiados ao entrar em contato com os habitantes da cidade". No entanto, são expansivos, alegres, folgazões e francos quando "em seu próprio meio", onde, "revelando rara inteligência", são "mais argutos, mais finos que os camponeses estrangeiros", referindo-se aos colonos imigrantes. E completa: "Dócil e amoroso é todo camponês; sincero e afetivo é o caipira."
CLASSIFICAÇÃO CAIPIRA
Caipira Branco
Esses "caipiras brancos descendem dos primeiros povoadores e de fidalgos ou "nobres decaídos de suas pompas": os Bandeirantes. Cornélio Pires descreve-os: por mais pobres que sejam, são sempre proprietários e, com seus cobrinhos e suas terras, podem andar remendados mas andam limpos. Usam chinelos de liga, sapatões ou botinas de elástico, são altos e não têm pés muito grandes. As barbas são abundantes e os lóbulos das orelhas, gordos e destacados das faces. Não dispensam o paletó, não usam colete, mas não passam sem um lenço amarrado ao pescoço, chapéu de pano, calça de riscado e uma boa cinta de couro curtido. As suas casas, apesar de serem de chão e telha vã, são asseadas, bem varridas, ostentando nas linhas enxadas de cabos envernizados pelo uso, ficando atrás da porta os machados e foices. Nas estanqueiras não faltam a espingarda, a patrona de couro de jaguatirica, o laço, o cabresto, o bornal, o freio, serigote ou socado, o corote, o samburá e um poncho."
As "caipiras brancas", por sua vez, "são mulheres asseadas e amorosas, fugindo às cores berrantes tão apreciadas pelos caipiras caboclos. Excessivamente pudicas, suas filhas, aos sete para oito anos, já usam saias compridas…" Os penteados prediletos delas são: "pericote na nuca ou no alto da cabeça; a trança longa e cheia ou duas tranças pendentes, usando, também, quando pouco cabeludas, trancinhas em rondilha."
Os caipiras brancos são, para o escritor, "os mais hospitaleiros dos homens."
Caipira Caboclo
Seriam os descendentes diretos dos indígenas com bandeirantes brancos, catequizados pelos primeiros povoadores do sertão. Enquanto o “caipira branco” dizia pertencer a uma família – Amaral, Arruda Campos, Camargo, Bueno, Botelho e outras – o “caipira caboclo” referia-se a si mesmo: “eu sou da raça de tal gente…” Fortes e magruços, Cornélio Pires diz que não ficavam carecas e nem sofriam do coração ou conheciam a tuberculose. Barba rala, fios espetados aqui e ali, pele bronzeada, “cor de cuia ou de cobre”, era chamado no tempo das bandeiras de "Mameluco".
As famílias de “caipiras brancos” raramente aceitavam casamentos com “caipiras caboclos”. O prestígio da “caboclada” não era dos melhores entre os intelectuais: inteligentes e preguiçosos, velhacos, barganhadores como os ciganos, desleixados, sujos e esmulambado, mas valentes, brigadores e ladrões de cavalos…” E o "escritor" faz o resumo de suas vidas: “caçar, pescar, dormir, fumar, beber pinga e tocar viola, enquanto a mulher, guedelhuda, vai pelos vizinhos, pidonha e descarada, fala dos bons trabalhadores o feijão, o toicinho, café, a farinha.
Caipira Negro
Os descendentes dos africanos. Segundo Cornélio: "os bons brasileiros vítimas ainda das últimas influências da escravidão. Almas carinhosas e pacientes, generosas e humildes os negros velhos…” E lembra-se deles, conversando ao pé do fogo, sentados numa pedra, no terreiro, na soleira de uma porta, aquecendo-se ao sol, pobres, depois de terem, com o seu suor, inundado as fazendas de patrícios seus, enchendo-os de dinheiro.
Já surgira, porém, "o novo caipira negro" que, na descrição corneliana, vive numa “casa quase sempre limpa, coberta de sapé mas cercada de lavoura, com sua plantação de cana, um pouco de café e cereais. Tem um punhado de “santos no terreiro”, em mastros, São João, Santo Antônio, São Benedito. É cavalheiresco e gentil, batuqueiro, sambador e bate dez léguas a pé para cantar um desafio num fandango ou "chacuaiá"`o corpo num baile da roça.
Caipira Mulato
Oriundo do cruzamento de africanos ou brasileiros negros com portugueses, e caipiras brancos, e raramente com o caboclo. Este é, para o escritor, "o mais vigoroso, altivo, o mais independente e o mais patriota dos brasileiros" Excessivamente cortês, galanteador para com as senhoras, jamais se humilha diante do patrão. Apreciador de sambas caipiras e bailes, e dificilmente se mistura com os brasileiros negros.
Nas primeiras décadas do século XX, Cornélio Pires insistia no surgimento, em São Paulo, de "um noto tipo de caipira mulato, simpático, robusto e talentoso, destacando-se nos grandes centros, após breves estudos: o mestiço do italiano com a mulata ou do Negro tão estimado por algumas italianas.
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